O que é o projeto

       A partir do mapeamento e registro das narrativas dos afrodescendentes da região, perpassando as estrategias de sobrevivência e de lutas contra o racismo, buscaremos evidenciar as experiências das comunidades negras do extremo sul do Brasil.Com amparo na lei 10.639[1], o projeto propõe estimular o reconhecimento das formas como foram construídas as relações étnico-raciais, buscando registrar os relatos e construir práticas e materiais pedagógicos que possam dar conta de temas, como o racismo, na região.
         A região fronteiriça onde se encontra a cidade de Jaguarão foi marcada pela presença militar, tanto nos conflitos entre as coroas ibéricas, mas também no processo de constituição dos estados nacionais do Brasil e do Uruguai[2]. Para além do papel militar da garantia da fronteira, Jaguarão atraiu um modelo produtivo e de comércio, que afinado com o contexto brasileiro, utilizou-se de imenso contingente de mão-de-obra escrava[3]. Tanto as charqueadas incrustadas no rio Jaguarão, quanto os trabalhos nas estâncias e chácaras da região, viabilizaram a presença de milhares de africanos e afrodescendentes nesta localidade de fronteira[4]. O convívio entre a escravidão e a forte presença militar, forjaram uma convivência nem um pouco harmoniosa na sociedade jaguarense, marcada por relações autoritárias e de discriminação. Inúmeros são os relatos de práticas racistas na região feitos por afrodescendentes, e a hierarquia forjada pela distinção da cor é escrachada quando observamos os coletivos sociais negros criando instituições próprias de sociabilidade, pois até o final da década de 1980[5], os negros ainda eram impedidos de adentrarem em alguns espaços tidos como de brancos, e vale uma ressalva: espaços não apenas das elites, mas também de grupos populares[6]. Recentemente, com a opinião pública forçada a se sensibilizar pelas últimas legislações conquistadas e que abordam estas questões como o racismo e o autoritarismo, a população de Jaguarão e região vem se encorajando e relatando acontecimentos que demonstram o quanto esta sociedade ainda convive de forma problemática com os conflitos étnico-raciais. Jaguarão, com uma tradição militar e conservadora, foi marcada por um silêncio a respeito das injustiças sociais, e começam a aparecer vozes, que demonstram as estratégias de sobrevivência e de superação do povo negro local.
         A proposta geral do projeto é de a partir das narrativas de afrodescendentes, criar estratégias educativas de reflexão e abordagem do tema do racismo. 
         Através da pesquisa em fontes escritas e da construção de relatos a partir da História Oral, estamos criando um acervo que contemple a história dos afrodescendentes em Jaguarão. Este acervo ficará disponível no Laboratório de História Social e Política do curso de História-Licenciatura da Universidade Federal do Pampa. Com um potencial importante no colhimento destas experiências, consequentemente esta pesquisa registrará também as trajetórias do associativismo negro, de instituições como o Clube 24 de Agosto que compõe a forma de organização cultural destes grupos, assim como comunidades rurais, como, por exemplo, o Quilombo Madeira.
         O projeto prevê ainda a criação de material didático e práticas pedagógicas que serão proporcionadas nas escolas da região posteriormente, e também disponibilizadas aos educadores. 
         Atualmente o projeto conta com 12 bolsistas e voluntários do curso de História que estão experienciando e exercitando as diferentes atividades planejadas.
         Esta proposta se tornará um importante vetor para futuros projetos, pois com sua exaustiva pesquisa, alimentará de informações as próximas estratégias de investigação, como os propostos pelos educadores da universidade, mas também os da comunidade em geral, como os professores das redes municipal e estadual de ensino.


[1] Diz a lei: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.” Grifos nossos. Retirado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm  em 16 de maio de 2014.
[2] Ver: MARTINS, Roberto Duarte. A ocupação do espaço na fronteira Brasil - Uruguay: aconstrução da cidade de Jaguarão. UniversitatPolitècnica de Catalunya. Escola TécnicaSuperior D‟Arquitetura, 2001; FERREIRA, Gabriela Nunes. O Rio da Prata e a consolidação do Estado Imperial. São Paulo: HUCITEC, 2006.
[3] A Lagoa Mirim estava inserida na rota transatlântica do tráfico de escravos, o que viabilizava, mesmo de forma indireta, a chegada de muitos africanos no porto do rio Jaguarão. Ver: BERUTE, Gabriel. O tráfico negreiro no Rio Grande do Sul e as conjunturas do tráfico atlântico, C. 1790 - C.1830. Anais do 5º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Porto Alegre: UFRGS, 2011. P.1-17.
[4]Na década de 1830, a população negra somava cerca de etade da população. Em relação ao universo masculino, haviam mais homens negros do que brancos na cidade de Jaguarão. Ver: MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Uma Parda Infância: Nascimento, primeiras letras e outras vivências de uma criança negra numa vila fronteiriça (Aurélio Viríssimo de Bittencourt / Jaguarão, século XIX). Anais do 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba: UFPR, 2009. P.1-17.
[5] E não coincidente, no contexto da Constituição de 1988.
[6] A respeito da territorialidade negra na cidade de Jaguarão, ver: AL-ALAM, Caiuá Cardoso; LIMA, Andréa da Gama. Territórios negros em Jaguarão: revisitando o Centro Histórico. In: Ensino de História no Conesul: Patrimônio Cultural, Territórios e Fronteiras. Jaguarão: Evangraf, 2012. p. 261-272. 

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